| Empreendimentos turísticos na faixa litoral
Exmos. Senhores,
A Câmara Municipal de Grândola emitiu no passado dia 17 de maio de 2023 um esclarecimento sobre os empreendimentos turísticos na faixa litoral, revendo o historial de planeamento do território desde os anos 50 e avançando uma série de escusas e louvores para a sua actuação perante a actual situação.
A Associação Dunas Livres conhece os factos deste histórico, sabendo que no passado não existiam os mesmos critérios e conhecimentos científicos, técnicos e governativos de que se dispõe, felizmente, nos dias de hoje. Concordando com este pesado legado, transversal a todo o país, não se aceita que o actual executivo da Câmara de Grândola preste um esclarecimento à população que se baseia apenas numa enumeração de erros do passado, enquanto continua a perpetrar esses mesmos erros, assim como outros no presente.
Gostaríamos, nesse sentido, de ver esclarecidas algumas questões que se levantam:
1. O actual executivo não deixa de ser responsável pela ultrapassagem do número máximo de camas turísticas segundo o PDM, que seria 14.915 mas já conta mais de 30.000, sem contar com os pedidos de informação prévia aprovados em excesso. Sabe-se ainda que a maioria das camas turísticas acabam concentradas nos grandes projectos em detrimento de uma distribuição mais equilibrada para o território e a economia local.
Como fica então o número final de camas turísticas no concelho, assim como camas em segunda habitação, e qual a sua distribuição exacta?
Quais são afinal os “limites que não devem ser ultrapassados, de forma a não comprometer a sustentabilidade do território”?
2. Como se pretende assegurar a preservação dos recursos hídricos sem uma revisão da sustentabilidade ao nível da exploração do aquífero e correcção do consumo para fins terciários primeiro, antes de se acenar a bandeira da dessalinização?
Recusamos o argumento de que “todos os projetos em causa têm previsto a reutilização das águas residuais tratadas para uso na rega dos espaços verdes”, uma vez que nenhum dos projectos apresenta estudos sobre a viabilidade ou suficiência das águas tratadas reutilizadas para o consumo em irrigação. Simultaneamente, tal não sucede de qualquer modo, estando neste momento a ser gasta água proveniente de furos na irrigação de novos campos de golfe – numa realidade de seca profunda iminente, ameaçando a sustentabilidade do território.
O único esclarecimento aceitável da parte da CMG sobre a água é a apresentação à população de um estudo técnico completo, e independente, sobre o actual estado quantitativo e qualitativo dos aquíferos no concelho que assegure que os recursos hídricos estão efectivamente a ser preservados – e não a diminuir vertiginosamente, como o senso comum a todos dita.
Exigimos a fiscalização rigorosa do consumo de água ao nível dos empreendimentos turísticos a par da divulgação transparente dos seus resultados. É inaceitável que tal ainda não suceda, enquanto a CMG reúne à porta fechada com os maiores promotores imobiliários sobre uma central de dessalinização.
Esperamos veementemente que não seja aprovado qualquer plano de construção de uma central de dessalinização neste sentido: sem os referidos estudos efectuados sobre as actuais disponibilidades hídricas, captações ao nível dos maiores consumidores e a efectiva participação pública em todo o processo de decisão sobre a priorização na distribuição dessa água (abastecimento a residentes e agricultura tradicional versus campos de golf e resorts), bem como acerca do financiamento desta remediação tão dispendiosa.
No fundo, como irá a CMG garantir que não sobrarão encargos acrescidos para a população local no custo da água devido à usurpação deste recurso pelo turismo insustentável?
3. Sobre os quatro Espaços Turísticos/Áreas de Desenvolvimento Turístico (ADT), dos quais se diz terem sido sujeitos “ao cumprimento dos demais procedimentos legais e regulamentares em vigor, nomeadamente, à realização de Estudos de Impacto Ambiental” temos a dizer que não se conhece qualquer Estudo de Impacte Ambiental sobre os loteamentos da ADT2 e ADT3 (actuais Torre e Dunes da Vanguard Properties) assim como dos campos de golfe da ADT4 (Costa Terra e Pinheirinho). Os mesmos documentos já foram pedidos várias vezes pela Associação Dunas Livres à Câmara Municipal de Grândola, sem resposta até à data.
Espera-se assim que estes sejam disponibilizados o mais rápido possível ao público, sem a necessidade de ida a tribunal e pagamento de avultada soma para o devido acesso como aconteceu com o processo de licenciamento do projecto Na Praia nas UNOP 7 e 8, que obrigou a Associação Dunas Livres a ir a tribunal – o dito processo n.º 277/22.0BEBJA do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja -, pois só mesmo em sede judicial foi possível receber algum esclarecimento por parte da CMG, e a pagar 1180,52€.
4. Quanto à nota final sobre o projecto das UNOP 7 e 8, apontamos várias irregularidades graves na exposição dos factos que a CMG apresenta.
Nomeadamente, é preciso desmascarar a Câmara de Grândola quando defende que “o promotor reduziu em 80% o número de camas programadas e abdicou da construção do campo de golf previsto para a UNOP 9” e omite que esta diminuição foi, na verdade, necessária na segunda tentativa de aprovação do projecto, que já tinha sido chumbado durante o procedimento de licenciamento ambiental (DECAPE desfavorável a 26 de agosto de 2020), devido a parecer do ICNF perante uma avaliação de impacto ambiental tão negativa. Do mesmo modo, o campo de golfe na UNOP 9 nunca poderia ser mantido uma vez que esse terreno pertence integralmente à Reserva Natural do Estuário do Sado – falar em “abdicar”, neste caso, é pura e simplesmente greenwashing.
Particularmente preocupante é a “Resolução Fundamentada” com que a CMG declarou o Na Praia um “projeto de interesse público”, argumentando infundadamente que a paragem das obras ameaçava a saúde e segurança públicas e, até mesmo, a própria biodiversidade…
A Associação Dunas Livres não pode deixar de expressar a consternação que é ver uma autarquia da CDU invocar “interesse público” para levantar uma providência cautelar sobre um resort privado em cima de dunas com ecossistemas ameaçados, travando a averiguação de irregularidades lesivas para o bem comum e a sua correcção. Este acto inadmissível é da inteira responsabilidade – pior, culpabilidade – do actual camarário.
5. Perguntamos como é possível que a autarquia, depois do último verão, em que a construção do hotel de luxo “Vermelho” de Louboutin revirou Melides com valas abertas por toda a aldeia e níveis de ruído insuportáveis (inclusive uma licença especial de ruído para horas extraordinárias e Sábados, que só foi interrompida no mês de agosto depois dos protestos da população), não tenha ainda anunciado medidas de interdição de obras de construção civil durante a época estival.
6. Tomámos boa nota do histórico fornecido pela autarquia para atribuir essa pressão urbanística – que coloca em perigo a biodiversidade costeira, dunar, de sapal e até de montado, os recursos hídricos, o acesso económico, o usufruto e cuidado do nosso magnífico ambiente natural pelos cidadãos comuns – quer a deliberações legislativas como projetos PIN, quer a planos de pormenor de ADTs ocorridos durante os mandatos autárquicos do PS (de 2001 a 2013).
7. Estranhamos ainda não haver qualquer menção no comunicado da autarquia à situação do Parque de Campismo da Galé, encerrado desde Outubro de 2021 a campistas e caravanistas. Sabemos que o Presidente da CMG fez já várias declarações públicas em que defendia a reabertura do mesmo e a sua importância social e económica para a zona. Reconhecemos a posição do Presidente, mas é uma pena que não tenha voltado a pronunciar-se sobre o assunto neste “esclarecimento”, deixando-o ficar esquecido. Centenas de usuários ainda não sabem o que irá suceder e muitas pessoas já não podem regressar à Galé.
Partindo do princípio de que a Câmara de Grândola conhece o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, uma vez que está bem assessorada por quem, no passado, foi quadro dirigente da Direcção-Geral de Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano, com acompanhamento do início dos PIN, deveria saber que aquele regime jurídico contém normas que permitem, por exemplo, suspender ou mesmo revogar os planos urbanísticos.
O Presidente da CMG tem esta ferramenta à sua disposição há muito tempo, e todas as justificações pela evolução das condições ambientais, económicas, sociais e culturais, para alterar positivamente o rumo do território numa direcção diferente do legado que descreve. Esperar-se-ia que a CMG houvesse agido perante esta oportunidade; mas não, nada fez e manteve os planos existentes para a Península de Tróia (UNOPs) assim como todas as ADTs e eis que assistimos à derrocada do último troço de costa selvagem em Portugal.
A actual autarquia coloca-se numa posição defensiva de contenção de danos e sugere que está a ser injustiçada pelo que “alguns insinuam”. Consideramos visar essa expressão os grupos de natureza formal ou informal que se têm vindo a colectivizar, num esforço voluntário e apartidário, para expor as referidas situações de perigo para as populações e danos ambientais irreversíveis, designadamente movimentos/associações como “Dunas Livres”, “Reabrir a Galé”, “Proteger Grândola”, que mobilizam outros residentes e cidadãos preocupados, sendo a mais recente ocorrência a acção de protesto aquando das comemorações oficiais promovidas pela Câmara no passado 25 de abril.
A população quer ajudar e reverter os danos, não apenas conter. Lamentamos, por isso, que na referida acção de 25 de abril o Presidente da CM Grândola, depois de anunciar em discurso oficial a sua disponibilidade para dialogar com todos os grupos e indivíduos, tenha rechaçado as porta-vozes que o abordaram para que lhes concedesse uma audiência.
Embora cada vez seja mais tarde para reparar os danos, vimos com esta carta aberta reiterar a nossa disponibilidade para conversar e aguardamos que o Senhor Presidente nos conceda uma audiência para colaborar sobre soluções reais. Ainda temos esperança que a CMG queira trabalhar com estes movimentos de cidadãos, sob o objectivo comum da salvaguarda dos maiores valores de Grândola: as pessoas e a natureza.
Os melhores cumprimentos,
Associação Dunas Livres
23 de maio de 2023