Ass. Dunas Livres, Janeiro de 2024
A Associação Dunas Livres é uma associação de ativismo ambiental que se dedica a proteger a costa entre Tróia e Melides, alvo da hiper-urbanização e massificação turística exponenciais na costa portuguesa, que estão a destruir um habitat dunar único. Trabalhamos na investigação, informação e sensibilização da população, bem como na oposição legal ao desenvolvimento destes empreendimentos de turismo de luxo.
Um dos empreendimentos ao qual temos feito oposição é denominado Conjunto Turístico “Na Praia”, que, apesar de ter como promotora uma sociedade comercial portuguesa, é financiado por Sandra Ortega, herdeira do grupo de fast–fashion espanhol Inditex.
Este empreendimento encontra-se nas denominadas Unidade Operacionais de Planeamento (UNOP) 7 e 8 na Península de Tróia, num território com elevado valor ecológico e com abundante densidade de espécies protegidas a nível europeu pela Directiva Habitats e Rede Natura 2000.
Em Fevereiro de 2023, esta associação intentou uma providência cautelar em tribunal, que teve como principal objectivo parar as obras de urbanização do Na Praia. Essa providência foi aceite pelo Tribunal Administrativo de Beja, tendo como consequência a paragem dos trabalhos; infelizmente essa providência veio posteriormente a ser indeferida (tornada nula) pelo Tribunal de Beja. No entanto, nesse momento, já as obras haviam sido retomadas.
Porquê, se a providência cautelar tem um efeito suspensivo?
Porque, logo que a nossa providência cautelar deu entrada no tribunal, o Município de Grândola veio apresentar uma declaração em como o empreendimento turístico Na Praia tem interesse público para o Município de Grândola.
Entretanto, com a continuação dos trabalhos de obra, observamos agora a duna cortada e o coberto vegetal destruído numa área de cerca de 2 km de costa. Tudo isto acontece sem que as autoridades, nomeadamente a CCDR Alentejo, façam qualquer tipo de fiscalização ao modo como está a ser executada esta obra.
Foram aliás dois incumprimentos na obra por parte do promotor que deram motivos à Ass. Dunas Livres para avançar com uma providência cautelar.
1) As obras começaram indevidamente sem que a Câmara de Grândola tivesse emitido licença para o efeito, e foi apenas por nossa denúncia que apareceu, de um dia para o outro, uma licença de estaleiro;
2) O promotor escolheu intervir numa zona em que, de acordo com a Declaração de Impacte Ambiental (DIA), não poderia existir qualquer intervenção. Esta situação foi confirmada no local por técnicos do ICNF.
Consequencialmente, e ao contrário do que normalmente sucede, a CCDR Alentejo foi ao local inspecionar e concluiu que a zona em construção pode ser destruída, o que é lamentável e inexplicável à luz da lei. Ilibou assim a empresa promotora de qualquer violação da DIA ou da declaração de conformidade ambiental do projecto de execução (DECAPE).
Como exemplo de desleixo legal, neste momento as obras de urbanização/infraestruturação não estão concluídas, e como tal ainda não tiveram aprovação provisória do projeto por parte do Município – esta aprovação é obrigatória antes de qualquer construção posterior de edifícios. Mesmo assim, já está emitida a licença municipal de construção dos edifícios do empreendimento, e já se podem verificar obras de edificação a decorrer. Mais uma violação às leis de urbanismo. Esta associação já questionou a Câmara Municipal de Grândola sobre esta questão, estando a aguardar resposta.
Uma das questões paradoxais do processo judicial tem sido a impossibilidade de obter acesso aos documentos do processo administrativo no qual a CCDR Alentejo se baseou para conceder ao projecto uma DIA favorável condicionada, seguida de uma DECAPE, também ela favorável condicionada.
Aqueles que acompanham mais de perto este processo ficam com a sensação de que não há lei. É que, a par da destruição do território, numa zona crítica da costa portuguesa, assistimos incrédulos à destruição das regras urbanísticas.
O que esta associação pretende é que se cumpra a lei que impõe aos réus de uma acção administrativa o ónus de entrega obrigatória do processo administrativo, ou seja, toda a documentação, incluindo correspondência, que originou a emissão da DIA e DECAPE. Tratam-se de documentos fundamentais para entender a forma como foi aprovado determinado projecto.
Acontece que, no decurso do processo judicial, a CCDR recusou a entrega e a Sr.ª Juíza considerou que não havia necessidade de os entregar. Sem estes documentos e a correspondência / comunicações entre o promotor e as várias entidades que tiveram influência na aprovação, ficamos sem conhecer o processo e não podemos criar um caso em tribunal.
A associação não desiste de obter aquilo que por lei, dentro ou fora de um processo judicial, tem direito. Desse modo, requereu junto da CCDR Alentejo esse processo administrativo, estando a aguardar que esta entidade disponibilize os documentos.
Finalmente, há duas questões a refletir neste caso legal que são da máxima relevância e mostram o desrespeito pelo território e pelos valores naturais nele existentes, por um promotor negligente e que assim se beneficia:
1) O local onde o conjunto turístico “Na Praia” está a desenvolver-se integra a área de influência do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC Espichel Odeceixe). Dentro do POOC existem normas especificas que se destinam a dar resposta a determinadas condições ou características do território. Para o caso do conjunto turístico “Na Praia”, existe a norma específica 18 que diz o seguinte:
E a norma específica 17 interdita novas edificações ou ampliações de edificações na Faixa de Protecção Costeira (ZTP), contemplando um conjunto de excepções em nenhuma das quais o projeto “Na Praia” se encaixa, como por exemplo “infrastruturas de apoio a atividades balneares” ou “centros de intrepretação dos sistemas biofísicos costeiros”.
O que quer isto dizer? Que, à luz da norma específica 17, O CONJUNTO TURÍSTICO “NA PRAIA” NUNCA PODERIA SER APROVADO, E NUNCA PODERIA EXISTIR.
Mas entre a destruição do território e o promotor de um dado empreendimento, o legislador escolhe sempre o promotor. O caso do conjunto turístico “Na Praia” não foi excepção.
Esta associação defendeu no processo judicial que o conjunto turístico “Na Praia” fica na zona crítica e, como tal, não está protegido pela excepção da norma especifica 18, ou seja, não são aceites quaisquer direitos preexistentes ou juridicamente consolidados para justificar o projeto, nem operações urbanísticas para implementação dos núcleos de desenvolvimento turístico.
2) Imediatamente fomos confrontadas com um parecer do Professor Associado do Instituto Superior Técnico António Trigo Teixeira, enviado pelo promotor, a defender que o conjunto turístico “Na Praia” não tem qualquer influência na dinâmica costeira e não vai ter qualquer influência no sistema dunar.
Discordamos desta conclusão, e sabemos que não somos as únicas a afirmar que construir um empreendimento turístico literalmente em cima da duna tem alta probabilidade de alterar o sistema ecológico dunar e, como tal, viola as regras especificas do POOC. Mas falta ainda ser elaborado um parecer científico a expor e reconhecer a situação de risco costeiro actual e previsível das UNOP 7 e 8. Este risco já é conhecido e, juntamente com a destruição de ecossistema com direito a proteção, não deveria haver justificação para urbanizar um sistema dunar.
Assim, queremos trazer ao de cima o problema da incapacidade ou reluntância da comunidade científica em envolver-se – não nas consultas públicas que normalmente antecedem estes projectos, mas no que se segue. Parece que tudo termina com a participação na consulta pública, mesmo que o projecto venha a ser aprovado contra tudo o que deveria ser respeitado por argumentos ecológicos, geofísicos, de dinâmica costeira ou até de bom senso. Mais do que um lamento, esta nota é um apelo a um maior envolvimento nas decisões de ordenamento do território, absolutamente necessário em lutas como a nossa que têm como objectivo a defesa dos ecossistemas e seus habitantes.
O FUTURO
Está uma construção em curso e com baixa probabilidade de poder ser parada – é sempre muito difícil contrariar este tipo de projectos. No entanto, encontramos constantemente ilegalidades, e o território não deixa de ser destruído, pelo que a única conclusão a que podemos e devemos chegar é que devemos continuar a lutar.
Assim, continuaremos a exigir responsabilização às entidades oficiais, que devem sempre zelar para que as condicionantes do projecto sejam cumpridas. Fá-lo-emos junto dos tribunais nacionais para ver feita alguma justiça, e também junto da União Europeia, uma vez que este projecto representa uma violação claríssima do direito europeu. Estamos agora no processo de enviar requerimentos a várias entidades com pedidos de esclarecimento sobre o modo como estão ou não a ser cumpridas algumas das condicionantes da fase de construção das infraestruturas.
Continuaremos a informar-vos do ponto de situação, e a contar convosco para apoiar doando, partilhando, falando. Se te lembrares de uma forma mais específica de te juntar à luta, escreve-nos para movdunaslivres@gmail.com
Atenciosamente,
Associação Dunas Livres
Janeiro de 2024